Uma criação do mercado de auto-ajuda norte-americano confunde pais e professores misturando misticismo e educação
Por Paulo Henrique de Figueiredo
De vez em quando surge um modismo. Um dos atuais são as crianças índigo. A idéia surgiu entre palestrantes de auto-ajuda norte-americanos. Criança índigo é uma hipótese criada por Lee Carroll e Jan Tober em suas palestras. Eles leram um livro sobre cores de "auras", escrito pela espiritualista Nancy Tappe em 1982, no qual a escritora imaginou o surgimento de crianças superdotadas relacionando suas auras com a cor índigo, ou azul-escura.
Carroll e Tober acreditam que esses seres finalmente chegaram. As crianças índigo seriam líderes de uma nova civilização. O mundo será transformado por elas e então surgirá uma nova era. Outro palestrante de auto-ajuda, Robert Gerard, opina: "Os índigos vieram para servir ao planeta, aos pais e aos amigos como emissários do céu e disseminadores da sabedoria. Para mim são emissários do criador".
A nova geração
Mas o que interessa esse tema ao Espiritismo? Desde 1868, os Espíritos anunciaram no livro A Gênese a chegada da uma nova geração. Pode-se considerar a percepção dos norte-americanos quanto a essa mudança a constatação de um fato natural: "A Terra, no dizer dos Espíritos, não terá de transformar-se por meio de um cataclismo que aniquile de súbito uma geração. A atual desaparecerá gradualmente e a nova lhe sucederá do mesmo modo, sem que haja mudança alguma na ordem natural das coisas. A época atual é de transição, assistimos à partida de uma e à chegada da outra".
Até aqui, tudo bem, mas segundo os escritores que defendem as crianças índigo elas são identificadas como extremamente inteligentes, só que também agem com orgulho, agressividade e prepotência. Na descrição feita pela Doutrina Espírita, conforme descrito em A Gênese, a nova geração se destaca pelo "sentimento inato do bem e nas crenças espiritualistas, o que constitui sinal indubitável de certo grau de adiantamento anterior". A marca da nova geração é a fraternidade.
A descrição das crianças índigo revela seres com um grande desenvolvimento intelectual, mas com imaturidade emocional ainda maior. Elas não têm paciência com os mais simples, preferem o isolamento, são dispersas, ficam traumatizadas quando erram e frustradas quando suas idéias não são aceitas. A mãe de uma delas descreve: "Desde a pré-escola tinha sido hiperativo, respondia mal aos professores, queria fazer tudo à sua maneira e era manipulador, percebendo a maneira de ser das pessoas e usando isso contra elas", conta no livro Criança Índigo - de autoria de Lee Carroll e Jan Tober. "Se uma delas é trancada em um quarto, irá rabiscar as paredes e arrancar os tacos ou o carpete do chão. Tornam-se destrutivos", afirma a espiritualista Nancy Tappe, na mesma obra.
Por Rita Foelker*
A obra Crianças Índigo afirma, entre outras coisas, que a missão dessas crianças "é desenvolver uma nova consciência no planeta" e que "vieram para nos apresentar um novo conceito de humanidade". Diz ainda que "essas novas crianças podem nos ensinar a ter uma nova consciência de nossa auto-imagem" e "farão com que a sociedade viva o seu momento presente, pois é para isso que vieram".
No entanto, o mesmo livro descreve desajustes comportamentais e outros problemas de alguns índigos, como dificuldade de concentração e irritação emocional, sendo por vezes confundidas com crianças portadoras de Distúrbio de Déficit de Atenção (DDA) ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
A propósito das características relacionadas aos índigos, podemos observar que elas não apontam para uma evolução global do ser espiritual, mas para certas habilidades que se referem a um alto grau de desenvolvimento da inteligência intrapessoal. A inteligência intrapessoal - pertencente ao espectro das inteligências múltiplas estudadas por Howard Gardner e outros pesquisadores - quando bem desenvolvida, proporciona a capacidade de autoconhecimento e de estar bem consigo mesmo, de administrar os próprios sentimentos e emoções, além de autodisciplina e auto-estima.
Entretanto, muitos dos casos descritos como sendo de crianças índigo não revelam, por exemplo, um grande desenvolvimento da inteligência interpessoal, pois vemos que tendem a se isolar, têm problemas no relacionamento social, irritam-se quando não são compreendidas pelos outros e podem ter condutas anti-sociais.
Agora, se essas crianças podem contribuir conosco? Claro. Se elas têm algo a nos ensinar? Muito provavelmente. Mas daí a dizer que são "filhos da luz" e "crianças da Nova Era" vai uma boa distância, criando expectativas que muito possivelmente recairão sobre elas mesmas, no presente ou no futuro.
Preocupa-me também a possibilidade de diferenças e discriminações feitas em relação aos "não-considerados-índigos" numa mesma família ou grupo de alunos. Dizem, os que apóiam a tese dos índigos, que eles vieram para nos ajudar a evoluir. Então, eu encerro perguntando: qual é a criança que NÃO nos ajuda a evoluir?
Com o rei na barriga
Um comentário de Nancy Tappe é surpreendente: "Todas as crianças que mataram colegas de escola ou os próprios pais, com as quais pude ter contato, eram índigos. Trata-se de um novo conceito de sobrevivência. Todos nós possuíamos esse tipo de pensamento macabro quando crianças, mas tínhamos medo de colocá-lo em prática. Já os índigos não têm esse tipo de medo", relata no livro Criança Índigo.
Uma proposta perigosa
Crianças índigo não existem! Em verdade, são espíritos com a missão de superar seu exaltado orgulho, aproveitando as últimas chances neste planeta para mudar de rumo. Os pais devem esclarecer a relativa importância do desenvolvimento intelectual quando a evolução moral é negligenciada. O educador desatento, entregue às falsas idéias sobre crianças índigo, poderá considerar o autoritarismo e malcriação como indício de superioridade. Terrível engano! Agem ainda pior os pais que, obedecendo ao modismo, exibem seus filhos com orgulho, declarando serem índigos. A criança pode até fingir não perceber quando é elogiada. Parece distraída enquanto os pais contam os feitos maravilhosos tomando café com as visitas. Contudo, está atenta, e a tudo observa. Ao perceber que seu comportamento contenta os pais, ela repete e os acentua, condicionando ainda mais seus hábitos presunçosos.
Este é um dos maiores perigos da tese das crianças índigo: quando os pais se deixam manipular pelos filhos, seduzidos pelas habilidades intelectuais precoces, eles estão falhando em sua missão educativa.
Modismos continuarão existindo. De olho nas vendas, autores norte-americanos já inventaram as crianças crystal. E a mais recente descoberta são as rainbow, ou "crianças arco-íris" como ficarão conhecidas em nossas terras se aqui aportarem.
Se lidos esses livros, como todos, é necessário separar o joio do trigo. E sem bom senso para distinguir um de outro, corre-se o risco de ser arrebatado pelo canto da sereia do falso profetismo, como adverte o Evangelho: "Levantar-se-ão muitos falsos profetas que seduzirão a muitas pessoas e, porque abundará a iniqüidade, a caridade de muitos esfriará" (Mateus, 24:11).
A missão dos pais
A regeneração do planeta não se dará por uma simples substituição dos espíritos atrasados por superiores vindos do espaço. O mundo futuro "não se comporá exclusivamente de espíritos eminentemente superiores, mas dos que, já tendo progredido, se acham predispostos a assimilar todas as idéias progressistas e aptos a secundar o movimento de regeneração", completam os Espíritos, também em A Gênese.
Todo pai quer ver em seu filho uma criança especial ou justificar sua frustração diante de crianças difíceis. Isso explica o sucesso dessas idéias. Mas qual criança não é especial? Todas elas nos desafiam a perceber seus valores e distinguir seus defeitos no trabalho da educação. A vida no lar é a oportunidade para pais e filhos compreenderem suas almas. Mas ninguém vira santo do dia para a noite. O começo é uma mudança de propósitos: "A regeneração da humanidade não exige absolutamente a renovação integral dos Espíritos: basta uma modificação em suas disposições morais. Essa modificação se opera em todos quantos lhe estão predispostos, desde que sejam subtraídos à influência perniciosa do mundo. Assim, nem sempre os que voltam são outros espíritos; são com freqüência os mesmos, mas pensando e sentindo de outra maneira", conclui Allan Kardec, num dos últimos parágrafos de A Gênese. E os incrédulos que acham tudo isso motivo de riso? Estes, diante da morte, "viverão, a despeito de si próprios e se verão, um dia, forçados a abrir os olhos". E com essa frase Kardec encerra o livro.
As crianças do mundo regenerado serão espíritos sem preconceitos, criativas, inteligentes e amorosas. Diante de pessoas menos inteligentes agirão com humildade, valorizando-as para que se sintam melhores. Despreocupadas de si mesmas, voltarão sua atenção para auxiliar exatamente os menos capacitados, os reconhecendo como iguais, por terem os mesmos valores em potencial em nas almas - as diferenças restringem-se à idade do espírito, alguns são mais velhos e outros mais novos. A atitude dessas crianças será de respeito, esperança e compaixão. Acima de tudo, seu lema será a fraternidade. Seus instrumentos serão caridade, diálogo e senso de justiça. (P.H.F.)